COMPREENDENDO A CULPA E A VERGONHA
A culpa e a vergonha são emoções intimamente relacionadas. Temos a tendência de sentir culpa quando violamos as regras importantes para nós ou quando não correspondemos aos padrões que estabelecemos para nós mesmos. Sentimo-nos culpados quando julgamos que fizemos algo errado. Se pensamos que “deveríamos” ter nos comportado de forma diferente ou que “devíamos” ter feito melhor, muito provavelmente nos sentiremos culpados.
A vergonha envolve a sensação de que fizemos algo de errado. Entretanto, quando nos sentimos envergonhados, supomos que o que fizemos de errado significa que somos “defeituosos”, “inúteis”, “inadequados”, “podres”, “terríveis” ou “maus”. A vergonha está geralmente ligada a uma visão altamente negativa de nós mesmos. Os segredos frequentemente cercam a vergonha. Podemos pensar “Se as outras pessoas soubessem deste segredo, elas me odiariam ou me desconsiderariam”. Por essa razão, a origem da vergonha é raramente revelada e permanece escondida e destrutiva. A vergonha frequentemente acompanha um segredo de família envolvendo outros membros familiares, um segredo tal qual o alcoolismo, abuso sexual, aborto, falência ou comportamento considerado desonesto na comunidade.
Por exemplo, a vergonha de alguém com 26 anos de idade que foi abusada sexualmente aos 6 e que nunca revelou totalmente a extensão de seu abuso até essa idade. Embora possa ter tentado contar à mãe sobre o abuso quando ainda era menor, foi repreendida e acusada de estar mentindo. Para ela, a lembrança do abuso a inundava de sentimentos de vergonha. Esse exemplo demonstra a natureza silenciosa da vergonha.
Superar a culpa e a vergonha não significa necessariamente livrar você da culpa se, a seu ver, você fez algo de errado. Significa levar a quantidade apropriada de responsabilidade e chegar a um acordo como o que quer que tenha feito você se sentir deste modo. Existem cinco aspectos em relação à superação da culpa e da vergonha: avaliar a gravidade de suas ações, pesar a responsabilidade pessoal, fazer reparos de quaisquer danos que você tenha causado e o autoperdão. Frequentemente, apenas uma ou duas etapas são necessárias para nos ajudar a superar a culpa. A superação de vergonha profunda pode exigir todas as cinco etapas.
Avaliando a Gravidade de Ações
Podemos nos sentir culpados ou envergonhados tanto a respeito de ações pequenas quanto de ações grandes. Como você compararia a gravidade destas 3 experiências?
1. Tânia estava cansada no final do dia. Seu telefone tocou e ela decidiu não atendê-lo, porque não queria falar com ninguém. Ela ouviu a voz de sua mãe na secretária eletrônica: ”Tânia, você está aí ? Quero te contar sobre as minhas férias”. Tânia não atendeu o telefone.
2. Depois da mãe de Tânia ter deixado o recado, o telefone tocou novamente. Quando Tânia ouviu a voz de sua melhor amiga na secretária eletrônica, pegou o telefone e conversou durante 10 minutos.
3. No dia seguinte, Tânia disse à sua mãe que não estava em casa quando ela ligou na noite anterior.
As três experiências de Tânia descrevem eventos relativamente pequenos. Ainda assim, muitas pessoas julgariam a gravidade desses eventos de forma diferente. Em qual dos três eventos você provavelmente se sentiria culpado? Por quê? Sua avaliação da gravidade de uma ação ou pensamento depende de suas regras e de seus valores internos. Muitas pessoas dizem que se sentiriam mais culpados em relação à mentira direta, no terceiro exemplo de Tânia, do que em não responder ao telefone no primeiro exemplo. Algumas pessoas dizem que se sentiriam igualmente culpadas em todos os três exemplos.
Culpa ou vergonha freqüentes significam que ou você está vivendo sua vida de um jeito que transgride seus princípios (p.ex., ter um caso quando você acredita no casamento monógamo) ou que você está julgando um número excessivo de pequenas ações como sendo sérias. Para avaliar a gravidade das ações que levam à culpa e à vergonha, você deve se fazer algumas perguntas que o encorajem a ver a situação a partir de diferentes perspectivas.
Pergunte a si mesmo “Qual a importância que isso terá em cinco anos? ”Ter um caso extraconjugal quase que certamente parecerá, em cinco anos, uma grande violação de uma relação monógama. Chegar tarde em casa para o jantar três noites seguidas não parecerá importante em cinco anos, mesmo se for um evento difícil para você e seu (sua) parceiro (a) agora. Portanto, a culpa persistente a respeito de um caso faria mais sentido do que a culpa persistente em relação a chegar em casa tarde para o jantar.
DICAS ÚTEIS
1- As outras pessoas consideram esta experiência como sendo tão séria quanto eu considero?
2- Algumas pessoas consideram-na menos séria ? Por quê ?
3- Quão séria eu consideraria a experiência se meu melhor amigo fosse o responsável, não eu ?
4- Quão importante essa experiência parecerá daqui a um mês ? Um ano ? Cinco anos ?
5- Quão séria eu consideraria a experiência se alguém fizesse isso para mim ?
6- Eu sabia de antemão o significado ou as conseqüências de minhas ações (ou pensamentos)? Com base no que eu sabia na época, os meus julgamentos atuais são pertinentes ?
7- Pode qualquer dano que ocorreu ser corrigido ? Quanto tempo isso vai levar ?
8- Houve uma ação até mesmo pior que eu tenha considerado e evitado ( p.ex., considerei mentir, mas ao invés disso, evitei o telefone)?
PESANDO A RESPONSABILIDADE PESSOAL
Uma vez tendo avaliado a gravidade de suas ações, é útil pesar quanto da violação é sua responsabilidade pessoal, exclusiva. A maioria das pessoas que foram molestadas quando crianças sentem vergonha. O molestamento é certamente um evento sério na vida delas, mas foram elas as responsáveis por ele ?
Um bom modo de pesar a responsabilidade pessoal é construir uma “torta de responsabilidade”. Para fazer isso liste todas as pessoas e aspectos de determinada situação que contribuíram para um evento em relação ao qual você se sente culpado ou envergonhado. Inclua você mesmo na lista. Então desenhe um círculo e atribua a responsabilidade pela situação em tamanhos que espelhem a responsabilidade relativa. Desenhe seu próprio pedaço por último de maneira que você não atribua responsabilidade demais a você mesmo.
Quebrando o silêncio
Quando o segredo envolve a vergonha, pode ser importante contar para uma pessoa em quem se confia sobre o que aconteceu. A necessidade de se manter silêncio frequentemente se baseia na pressuposição de que revelar o segredo resultará em condenação, crítica ou rejeição por parte dos outros.Não é incomum para as pessoas que carregam um segredo a vida toda surpreenderem-se com a aceitação que recebem quando o revelam. A aceitação vai de encontro à pressuposição de rejeição e força a reavaliação do significado do segredo.
Muito embora não se possa confiar plenamente em ninguém, é importante revelar seu segredo à pessoa na qual você mais confia. Certifique-se de contar a alguém quando você tiver tempo suficiente para dizer tudo que você precisa e conversar sobre a opinião que você obtiver.
Autoperdão
Ser uma boa pessoa não significa que você nunca fará coisas ruins. Faz parte do ser humano cometer erros. Se, após avaliação cuidadosa, você concluir que fez algumas coisas erradas, então o autoperdão pode ajudar a aliviar parte da sua culpa ou vergonha.
Ninguém é perfeito. Todos nós, em algum momento ou outro, violamos nossos próprios princípios ou padrões. Sentimo-nos culpados ou envergonhados se acreditamos que o que fizemos significa que somos maus. Mas violações não significam necessariamente que somos pessoas más. Nossas ações podem estar relacionadas a uma situação em particular ou a uma época específica de nossas vidas.
O autoperdão resulta em uma mudança na interpretação do significado da violação ou do erro que cometemos. Nossa compreensão pode mudar de “Cometi este erro por que sou uma pessoa terrível” para “Cometi este erro durante uma época terrível de minha vida quando não me importava se me comportasse desse modo”, ou de “Sofri abuso por que mereci” para “Sofri abuso porque meus pais eram uns alcoólatras fora de controle”. O autoperdão também envolve o reconhecimento de suas próprias imperfeições e erros e a aceitação de si mesmo, com falhas e tudo o mais, e o reconhecimento de que a vida não foi uma sequência de erros e violações. O autoperdão inclui o reconhecimento de nossas qualidades boas e más, o reconhecimento tanto de nossos pontos fortes quanto de nossas fraquezas, ativos e de nossos passivos.
Fazendo reparações
Se você prejudicou uma outra pessoa, é importante reparar suas ações. Pedir para consertar o dano que você fez pode ser uma parte importante do restabelecimento de si mesmo e do restabelecimento da relação. Recompensar envolve reconhecer que você transgrediu, ter coragem o suficiente para encarar a pessoa a quem você prejudicou, pedir perdão e determinar o que você pode fazer para reparar o dano que você causou.
Texto extraído e adaptado do livro: A mente Vencendo o Humor- Christine A Padesky – Editora Artmed
Ângela Maria Barranqueiro – psicóloga – fevereiro/2010